De onde os gregos tiraram seus mitos? – Parte III (final)

01A Idade das Trevas foi sucedida por um quarto período histórico, denominado Período Arcaico (800-490 a.C.), em que houve a emergência da escrita grega, o retorno dos antigos fugitivos e a disseminação de colônias a oeste – no sul da Itália e na Silícia. Esse período marcou o inicio das polis, ou cidades-estados gregas, que possibilitaram grandes desenvolvimentos na história do país. Centros de comércio e religião, cada cidade-estado era cercada por muros, para a proteção contra invasores. No interior da cidade, em geral havia uma colina fortificada – uma acrópole – e no centro de cada uma ficava a ágora – uma área aberta que servia como mercado e centro financeiro. A Grécia, por fim, teve um crescimento espetacular durante o Período Clássico (490-323 a.C.). O centro dessa Era de Ouro ficava em Atenas e seu primeiro sucesso se deu com as reformas democráticas de Sólon, legislador ateniense, em 594 a.C. O crescimento perdurou pelos séculos seguintes até que a Grécia se tornou aquela que todos nós imaginamos quando pensamos no mundo antigo. Um momento chave foi a derrota dos maiores inimigos dos gregos, os persas, em uma série de guerras disputadas entre 490 e 479 a.C. A vida grega se diferenciava pois todos compartilhavam de uma mesma religião, uma língua e uma cultura em comum, o que foi de muita valia quando os gregos se viram ameaçados pelo império persa. As cidades-Estados gregas, que eram fortemente independentes umas das outras, se uniram, sob liderança ateniense, para combater duas invasões persas diferentes, em um dos pontos de virada mais fascinantes da história do Ocidente. Essas guerras foram o tema central da obra de Heródoto, História, onde afirmou, com orgulho, que “isso prova, se necessário o fosse, quão nobre é a liberdade” A liberdade é muito boa, mas boas também são as pesadas armaduras de bronze – elmo, escudo e couraça. Era o que usavam os hoplitas, os soldados-cidadãos que formavam uma espécie de Guarda Nacional organizadas – outro fator essencial para a vitória sobre os persas, que não usavam tanta proteção física.

Após a vitória dessa Grécia unificada, Atenas tornou-se a cidade principal dos gregos e alcançou o apogeu. Durante o século e meio subsequente, os grandes filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles circularam por suas ruas, pela ágora, ou mercado central, e fundaram as escolas – que serviriam de modelo para a criação das universidades -, onde eram discutidas e debatidas as ideias que viriam a formar a base da filosofia ocidental. Essa foi também a época das primeiras experiências relacionadas ao direito de voto e dos três grandes dramaturgos gregos – Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Suas tragédias eram encenadas para dezenas de milhares de atenienses em uma competição dramática que tinha raízes em um festival religioso dedicado a Dionísio, o deus da agricultura que também levava crédito pela invenção do vinho.

02Em todos esses períodos da vida grega, a mitologia exerceu um papel central na sociedade; ela era a essência das práticas religiosas e da diversão. Aliados a uma língua e cultura comum, os mitos criavam laços que nenhum governo grego seria capaz de criar. Mas é certo que, em torno de 800 a.C., quando a chamada Idade das Trevas começou a sucumbir, algo mudou. Uma virada ocorreu. E, a partir de então, alguns gregos começaram a deixar para trás a noção de que os deuses controlavam o universo. Talvez tenha sido um momento único na história da humanidade.Antes dessa virada quase todas as outras civilizações viam a vida como obra dos deuses, que precisavam ser servidos e adorados, e de seus representantes na terra, os reis e faraós – que também demandavam servidão e adoração.

De súbito, na Grécia, a compreensão fundamental do universo e da função do homem no mundo foi transformada através de uma revolução no pensamento. Uma série de pensadores gregos começou a buscar explicações na natureza – uma jornada mental humanística para descobrir um sistema de criação racional no qual a ordem não dependesse do sacrifício de animais e da invocação de oráculos mágicos.

É claro que nem todo mundo gostou dessas ideias, que desafiavam o status quo. Essa foi uma das razões por que o filósofo Sócrates acabou sendo julgado e condenado a morte, em 399 a.C. Seus conceitos não eram tanto uma ameaça a religião, mas sim aos poderes constituídos de Atenas. Mas não havia mais como impedir a onda de mudanças que varria a Grécia. Uma fonte inesgotável de ideias havia sido descoberta e a história nunca mais seria a mesma.

FIM
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De onde os Gregos tiraram seus mitos? – Parte II

zeusA civilização minoica floresceu até quase 1.400 a.C., quando meio que desapareceu da história, talvez devido a uma erupção vulcânica devastadora que ocorreu em suas proximidades, ou por causa dos novos invasores que surgiram, os chamados micênicos. Esses guerreiros arianos, ou indo-europeus, haviam começado a dominar o território grego quinhentos anos antes e, presume-se, eram originários da cordilheira do Cáucaso (entre os mares Negro e Cáspio). Os micênicos eram uma raça guerreira que acabou com os povos na Grécia continental – cujas origens são igualmente misteriosas – e que, quando lá chegou, mesclou suas próprias histórias e crenças com as dos povos que conquistaram, inclusive os Minoicos de Creta. Esse é o chamado Período Micênico, em homenagem a Micenas, uma das cidades mais importantes da época – que foi escavada pela primeira vez por Heinrich Schliemann, o descobridor de Troia, no final do século XIX. O Período Micênico durou de 1.600 a quase 1.110 a.C. e acreditava-se que nele tenham ocorrido os eventos e existido os reinos descritos por Homero na Ilíada. É provável que os “Micênicos” se autodenominassem “aqueus”, termo usado por Homero para identificar os homens que atacaram Ílion – ou Troia. A maioria dos estudiosos da área considera que a destruição de Troia ocorreu em torno de 1.230 a.C., mas nunca se chegou a um consenso quanto a esse fato – alguns alegam que tenha sido mais tarde, por volta de 1.180 a.C.

Uma ideia mais aceita é a de que os Micênios, que amavam as guerras e já faziam uso de carros de combate, foram responsáveis pelo que os homens de negócios de hoje chamariam de “tomada hostil”. Quando chegaram dominando a Grécia continental, aparentemente trouxeram consigo seus próprios deuses, bastante antigos, como o pai do céu, Zeus; a mãe da terra, Deméter; e Héstia, a deusa virgem do lar. Os camponeses locais que foram subjugados deviam cultuar uma outra antiga mãe da terra, que veio a se tornar Hera. E o próprio casamento tempestuoso de Zeus, o deus do céu e dos conquistadores, e Hera, a deusa da fertilidade dos conquistados, talvez simbolize a união dessas duas mitologias. Outro indício de que muitos dos mitos e lendas gregas tenham se originado, da forma como os conhecemos, no Período Micênico, é o fato de que, nesse período, o poder se concentrava nas cidades que mais aparecem na mitologia grega, Micenas, Tirinto e Tebas.

Micenas e quase todos os outros povoados da Grécia continental foram destruídos logo após 1.200 a.C., dando lugar a idade das trevas, o terceiro período mais importante da história grega, que durou até cerca de 800 a.C. Os historiadores não sabem explicar o porque de a Grécia Micênica ter entrado em colapso. Talvez as mudanças climáticas tenham causado a fome. Há suspeitas, também, de que a causa tenha sido a invasão de outros grupos, os chamados dórios, originários do norte da Grécia, que haviam migrado para o sul e forçado muitos micênicos a fugirem para a Ásia Menor. Uma das razões por que o período é denominado Idade das Trevas foi o desaparecimento da escrita grega (que usava a forma Lineas B, adaptada dos minoicos) no período, que só voltou a ser empregada após 800 a.C.

Foi mais ou menos nessa época que algum desconhecido, que tivera contato com a escrita fenícia, inventou o alfabeto grego. O alfabeto fenício continha símbolos para as consoantes apenas; algum anônimo grego, muito esperto, incluiu indicações para os sons das vogais. Pela primeira vez – concordam os especialistas – a escrita conseguiu se aproximar do som da voz humana (e essa é a base da escrita que você está lendo agora). Devido a esse avanço, presume-se que os dois grandes épicos, a Ilíada e a Odisseia, tenham sido escritos após 800 a.C., bem como as obras de um poeta grego chamado Hesíoso, que catalogou a história e as conquistas dos deuses.

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De onde os Gregos tiraram seus mitos? – Parte I

afroDuas das deusas mais famosas da Grécia estrearam nos palcos míticos como adultas feitas e perfeitas – uma aparece, em geral, nua, e a outra em armadura. Afrodite – aquela da meia concha, sabe? – é a deusa do amor que, em uma das pinturas mais famosas sobre seu nascimento, emerge do mar como uma adulta completa, ao natural, mas com longos cachos em lugares estratégicos. Atena, a deusa da guerra e da sabedoria, nasce em traje de batalha completo, e emerge da cabeça de seu pai, Zeus, quando ele é atingido na cabeça por outro deus, com um machado.

As pessoas parecem pensar o mesmo sobre os mitos Gregos – que, de alguma forma, eles já nasceram prontos, na forma que os conhecemos hoje, elaborados pelo gênio de algum poeta ou filósofo anônimo. Mas os mitos da antiguidade, como provam as histórias do Egito e da Mesopotâmia, não são tão simples. Com o passar dos séculos, os mitos são criados, recitados, e depois começam a viajar. Enquanto rodam o mundo, são emprestados, remodelados e recontados – em muitos casos para se adequarem às necessidades locais. Como um vinho antigo em uma garrafa nova ou um reality show que se origina na Inglaterra e é reproduzido pelas redes de televisão norte americanas, os mitos da antiguidade as vezes ressurgiam com novos nomes e contornos. Não foi diferente na Grécia, onde as origens dos mitos – e das religiões que eles geraram – ajudam a compreender, de maneira fascinante, a história desse povo.

Descobertas recentes dos mundos da arqueologia e da literatura comprovaram que a mitologia Grega nasceu de uma mistura de histórias locais com todo tipo de fragmentos de histórias de civilizações do Oriente Próximo, como a egípcia, a mesopotâmica e a fenícia – de quem os Gregos também adotaram o sistema de escrita, que tempos depois se transformaria no alfabeto Grego. Tendo sido forçados pela geografia a se voltarem para o mar, os gregos, desde sempre, dominaram o comércio e as viagens. Conforme se aventuravam pelos portos da escala do mediterrâneo, entravam em contato com as civilizações vizinhas. No fim das contas, levaram para casa não apenas suvenires, mas também um pouco dessas culturas e religiões estrangeiras. As áreas que compreendiam Grécia, então, eram ao norte, a região montanhosa e rochosa que se projetavam nos mares mediterrâneo, Egeu e Jônico; uma península ao sul chamada de Peloponeso; as muitas ilhas salpicadas pelos mares ao redor; e a coisa oeste da Ásia Menor (atual Turquia).

Essas “influências estrangeiras” chegaram em uma Grécia que já era um caldeirão de fontes mitológicas. A partir de 2.000 a.C, ondas de invasores varreram a Grécia e trouxeram consigo as histórias de seus próprios deuses , que foram misturadas com as histórias locais. Essas invasões sangrentas começaram muito antes da breve Era de Ouro da Grécia, que muitos estudantes equiparam falsamente a toda história do país. A história grega, na verdade, se estende por um período de tempo muito maior, e sua civilização e mitologia podem ser divididos em cinco períodos diferentes.

wrAo que tudo indica, a primeira civilização a prosperar na região que passaria a ser tida como a Grécia não era formada por gregos, mas sim por minoicos, povo com cultura sofisticada e extraordinária. Fixada na ilha de Creta, no Mediterrâneo, a civilização minoica deve ter surgido em torno de 3.000 a.C. – Período próximo ao surgimento das civilizações da Mesopotâmia e do Egito – e, de forma repentina e misteriosa, desapareceu por volta de 1.400 a.C. No início do século XX, a abandonada capital da primeira civilização de Creta foi descoberta pelo arqueólogo inglês Sir Arthur Evans, em um dos achados mais surpreendentes da história. Em Cnossos (ou Cnossus), Evans encontrou vestígios de um palácio enorme, luxuoso e elegante, cujas passagens eram pavimentadas com ladrilhos. O palácio continha banheiras de cerâmica e serviço  de canalização de esgoto. Suas paredes eram decoradas com afrescos coloridíssimos, que retratavam homens e mulheres jovens, belos e nus, fazendo acrobacias com touros, em uma espécie de “rodeio” da antiguidade, numa clara referência a um culto de touros elaborado, um vestígio de suas origens na Ásia Menor. O palácio talvez tenha sido, ainda, a fonte de um dos mitos gregos mais importantes, a história do Minotauro, uma criatura metade homem, metade touro, que exigia que lhe fossem feitos sacrifícios humanos.

Apesar de a escrita Linear A, dos minoicos, ainda não ter sido decifrada, sabemos que devia ser mais usada para fazer a contabilidade e os registros comerciais – como foi, no princípio, a escrita cuneiforme da Mesopotâmia. Os minoicos foram um dos primeiros povos a realizar o comércio marítimo e suas embarcações iam até o Egito, para negociarem na terra dos faraós. É muito provável que os minoicos adorassem um deus do mar, que foi, mais tarde, chamado de Poseidon pelos gregos, e uma deusa da terra, que foi transformada pelos gregos na deusa Rea. […]

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